quarta-feira, 16 de julho de 2014

Ferro e Fogo



O sangue que me corre às veias, não é sangue
O ar que me invade como lança, não é ar
A água que bebo, o som que ouço, a cor que vejo
Não são água, som ou cor

Corre-me pelas veias lava, incadescente
Como que num vulcão esperando
O ponto exato da ebulição
O jorro certeiro do ferro em fogo

Este ar é chama, é labareda
Que, sem intervalo sequer a sustentar,
Me corrompe pulmões e alma
Enegrecendo, com pressa, sem calma
Até o suspiro das cinzas que expiro

A água é aço líquido e turvo
E endurece todo o livre espírito
Que antes pairava, flutuante
Sonhador das simples coisas do amar

Cor, arco iris, flor, paisagem
São palavras, letras, símbolos.
Hoje, a ausência de cor torna-me negra
Sêca de toda paleta vibrante que antes
Vivia por respirar

E não há salvo-conduto nesse trecho de vida
Pois perco-me sem passagem, sem caminhos
Sem destino, sem carinho
Sem luar, sem violão...

Como miragem, atinjo seus olhos
E busco com os meus um alívio às dores
Que ainda carrego sobre os ombros pesados.
E eles desviam, solenes, descrentes
Como a murmurar caprichos indecifráveis.

Percebo o muro que se fecha em ferro e fogo
Lacrando o que não se começa
O que não se apressa
O que sequer existiu:
A Promessa da Vida que não se cumpriu.

Volto ao luto por minha lucidez
Para que se corra sangue, ar, água, som e cor.
No dourado escrínio de minhas lembranças.

Sabedora que sou de minha força e grito

Vejo reerguer-me vagarosamente
Silenciosa e tristemente
Novamente em busca de mim.

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Poeme-se



Poeme-se com ricas rimas
Com metáforas subjacentes
Com desígnios contundentes
E suas lisuras incongruentes

Poeme-se
Com a eloquicidade que desafia
Com o soltar da voz, com a pena que desfia
Tirando do peito o peso, o medo
Que na palavra consegue esquecer

Poeme-se sem qualidade
Escreva em fluxo solto
Escreva como num arroubo
Como um trem descarrilhado
Um palhaço descabelado
Uma foto desfocada
Ou pintura destemperada

O escrever liberta a alma
Expira o anseio do que não veio
Rouba o desassossego tirano
Desfaz o mito, o rito, o desengano:
É o contra ponto do mundano

Larga as rimas, as métricas
Todas as fúteis dialéticas
Esquece o verso perfeito
Liberte as duras garras do tempo
Solta letras contra o Vento
Expele teu sangue pelos dedos
Escrevendo com carne e cerne
Arde o papel, se busque e governe:

Poeme-se

domingo, 29 de junho de 2014

Transformação



Eu só sei que dói.

Que algo se perdeu
Que a corda sozinha roeu
E a solidão chama-se Eu.

Dói.
Só sei que algo em mim quebrou
O vidro que guardei se lascou
Que o coração sentiu tanto
Que achou que nunca mais
Se encantaria de novo
Com fúria, calmaria, amor e luxúria
E a paixão diluída na paz.

Eu só sei que dói.

Entender que amar a si
Primeiro que a qualquer um
Custa-nos mais, é mais pesaroso
Pois o fruto ao lado é mais gostoso
Sem nossos tantos erros , conflitos
Destrutivos, sombrios, aflitivos
Enquanto o Outro é só risos.

E doeu mais.
Descobrir que o Outro é igual.
E sem os floreados e mentiras
Este Alguém é tão insano
Que esbraveja, pune, sodomiza
Ao enganar não economiza
E talvez sofra tanto ou mais
Por ser assim:
sem no coração ter a paz

Desiludi,  me perdi
Larguei de mim, desesperei
Foram tantas as lágrimas soltas
Tantos rios sulcados na face
Que pensei que nunca mais
Houvesse alguém que tanto amasse.
Porque amei mais que a mim
Vivi e chorei por alguém
Sobrepujei meu eu, meu ideal

Por quem não sabia ser diferente:
Este era seu normal.

Um dia, uma noite, um instante
Não mais doeu deste jeito.
Com todos os defeitos, trejeitos
Com todas a paixão de mil cores
Abriu-se como céu minha alma
Uma força estranha e calma
Sem  o peso da do desrespeito
Sem o grito que tanto magoava.

Nada foi em vão, nada foi esquecido
O aprendizado ensina
A ser dócil, compadecido pela dor
E entender que não somos metades
Somos partes únicas, perfeitas
Num mundo louco e lúdico que só nós
Podemos transformar pela força do amor

Hoje canto como num côro
Com voz firme, passional
Uma música  altiva e vibrante
Um pouco imperfeita, bem sei
(esta paixão tão distante...)
Com toda a Força que tenho direito
com todo orgulho de ser eu
De dizer abertamente, sem medo punjante:
 “Amo-te de novo, mais que antes”
.

sábado, 24 de maio de 2014

Cinco Minutos



Tenho medo de voltar
A amar do mesmo jeito
Nem melhor , nem pior
Porque o nosso era perfeito

Quando as dúvidas me calam
Minha língua se trava
As palavras são engolidas
Por esse dragão de lava
Que ainda mora cá dentro
Deste peito em desgoverno

O que não houve
O que não soube
O que não mais é
A falta de fé
No que não mais existe
Me consome.

E porque temo ainda amar
Duvidei de mim
E esqueci de nós
Tentando apagar com raiva
Todos os momentos a sós.
Mas a força foi grande, gigante
E meus pés, tão vacilantes
Que tua figura povoa
Meus sonhos, meus medos, meus ganhos.

Ainda dói, ainda sangra
Ainda lembro, do riso, da lágrima...
E como entender o que não mais há?
Como pedir ao coração que não sinta?
Como pedir que a alma não minta?
Quando todos os caminhos
Por mais distantes que estejam
Ainda me levam
Somente a você?

domingo, 13 de abril de 2014

Palhaço


Arma teu Circo de Vitórias
Tua Tenda em negra luz
Venda ingressos, lota os assentos
De quem por teu sorriso seduz

Venha e assiste com gosto e prazer
A este espetáculo inglório, simplório
Que mostra a história, nosso número sem moral
Entretenha-se com tua ambição sem igual

Pois sou teu palhaço
Neste Circo da Vida
Pintada de branco, eterna mascarada
Aquela que ri, com bocas e mágoas
E quebra o  coração e a  alma já sem cores
Ao se vender a quem antes já me olhou
Treinando promessas, de risos e flores

Não larga de tua lógica
Do egoísmo, da posse brutal
Pois sou teu palhaço
É este ainda meu único laço
É  esta ainda a fantasia que me recuso
A despir.

Os olhos negros borrados de lagrimas
A boca vermelha, molhada de sal
Sorri vagamente
Na certeza da submissão
Da entrega dolorosa de tudo que fui
Em tuas mãos.
E sequer sobra espaço em mim
Para entender a  humilhação
O desinteresse, a desilusão
A Sodomia ou prisão:
Sou só teu palhaço.

De uma certa distância, talvez ate eu risse
De uma certa distância, talvez fosse engraçado
Mas cá do palco, perdi meu timing, minha vergonha.
Aqui é meu calabouço, meu céu, meu inferno
Pois entretenho a mais crítica e variada plateia
Contudo, cá dentro, dentro o desespero tomou conta
E esqueci a piada
Que tanto ensaiei.

Ainda estou aqui
Como se nua estivesse
Despida de orgulhos
Repleta de súplica
Doente de amor
Como um palhaço que só finge
Que não sente dor.



sábado, 1 de março de 2014

Entrelinhas





Entre linhas, entre palavras, entre sonhos que desfazem
Está a delicadeza, de cada ponto, cada nó

Não é saber desígnios metafóricos, 

nem não ditos, nem mal falados
Não são informações pendentes
De uma língua decadente, pletórica, insuficiente.

Tambem não é o não-dizer, o não-falar, o esconder
O jogo de rato e gato, que se revela ao morrer
É simples sugestão, muitas vezes prosaica, simples
Mas que revela enfim o espaço

que entre elas havia.
(entre elas, as tais linhas,
essas finas parasitas
moradoras da folha em branco
do poeta já cansado
de tanto entreter o amado) 

Escava-se o poema, a gravura, o cinema
Cavuca-se o livro tosco, a cantora a enganar
Fuxica-se cada fímbria da arte do ser
Procurando uma função
Para desde o riso da Mona
o Papa sem religião
o Dante, inferno ou céu
a proclamar solidão 
até achar um sentido, algum valor escondido
para se entender que as vezes
as entrelinhas são só
uma forma de expurgar
o que nos há de pior:
Sem ferir ou machucar
Sem doer, ou enganar.

Um famoso nosso ‘jeitinho’
Daqueles bem com carinho
que diga: Deixa pra lá,
essa quadra é somente minha
a para quem o encaixar.

Deixemos na contramão
de quem procura o óbvio ou o claro...
Deixe-os com seu fino faro
A tentar sem conseguir.

Enquanto isso fico aqui
com linhas, agulhas, dedais
a proclamar entrelinhas
que com fogo e fel construí.

Sabedora de meu destino
Que é o voltar-me á concha
Inquilina, Clandestina
da minha alma que esconde
as silenciosas gotas salgadas
Que, não sei, brotam dos cantos

Do que se chamam de olhos:
Espelhos de fraco alicerce
Que a entrelinha tece.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Entrega



Ata-me
Com nós firmes da Palavra tua
Deixando-me exposta, de alma nua
Em mortos desejos, furtivos segredos

Amordaça-me
E que o grito na garganta preso
Seja tua carícia, teu maior enlêvo
E assim me conquista a cada encontro, cada degredo

Cria-me
Como vossa coisa e propriedade sagrada
Para que cada fímbria de minha carne
Cada gota de sangue aflorada
Seja entregue de vontade crua e explanada

Que teu toque seja minha herança
Teu prazer, minha única bonança
Tua ordem, meu Paraíso
Meu Dono e Senhor: tudo que mais preciso

Julga-me
Condena-me
Castiga-me
Como juiz e algoz de mim:
Vítima cativa de tua luxúria
Sois meu Princípio, meu Além, meu Fim.

O Jogo




Degladiam-se os dois Lados, ponto sagrado
Forças sobrepujantes à qualquer razão
Réus à mercê da fome, sem pejo
Reféns do desejo, sem culpa ou padrão

Olhares se cruzam, se medem e comparam
Respiram silenciosos, tal faca cortante
Sente-se no ar o gosto do medo e do gozo
E o roçar na pele frágil, cativa, errante

Inerte, um lado tende a pender
Sente a Palavra, o Peso a perdurar
Ainda tenta, vã loucura, rebelde cria
Mas sem o Dono nada mais a fulgurar

Segura o pulso, estala a carne
Entregue à chama da vela pulsante
Alucinados desenhos formam-se com a cera
Adocicados pela promessa da dor lancinante

Baixa os olhos, enverga o dorso. dói a carne
O lado cede, por prazer e única vontade
O Dono é fogo, centelha e aço:
Obedecer é amargo, por isso o faço.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Domínio




Do encontro fortuito à espera do prazer
Respiro ante a promessa de teu toque
Contemplo o tempo, e se Ele se demora
Não consolo meu corpo: aguardo crepúsculo ou  aurora


Curvo-me perante a firmeza da ordem
Diante de tua sombra, perco-me silente
E latejante, pulsante em dor atroz
Contenho meu desejo dobrando-me à tua voz 


Subjugada em tuas mãos 
Teu negro olhar é o que me sustenta
O vicio da posse é tanto que vejo-me cativa,
de corpo e espírito: nada mais me atrai ou tenta

Os mistérios desvendam os sentidos
Descobrindo nas torturas prazeres infinitos
Subserviente, acorrentada, despojada
És Tu quem maltrata, destroça e ensina
Saciando sua fome em minha pele rasgada

Construíste-me silenciosamente
Adorando-te, pensante, em nó que não desfaço
Sempre sedenta, sempre disposta, sempre à mostra
Angario qualquer suspiro, qualquer castigo, qualquer abraço

Rouba e devolve minha paz
Com facilidade de quem é Senhor e Dono

Somente na lágrima me descubro viva
E sob seus pés recruto meu abandono.

Acorrentados por sua Palavra
Meu juízo, meu sentido, minha razão, minha vida
Já não mais existem, são estranhas estas matizes
E assim, escrava tua, de mansidão doce e aflita 

Entrego a Ti minha carne e minhas cicatrizes.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Poema Inacabado




um poema inacabado
é como se fosse um banquinho
de três pernas, sem assento
ou sem asas um passarinho

é a canção sem a letra
o jardim sem uma rosa
a história sem princesa
ou o café sem a prosa

é o cetro sem coroa
a casa sem o telhado
o navio sem a proa
ou convés adicionado

num poema inacabado
(daqueles de pé quebrado)
transparece a humanidade
do poeta-deus da frase:
ele cai do pedestal sem graça
e corre pro meio da praça
jurando "é só uma fase"

domingo, 17 de junho de 2012

Reencontro II





Olha
A gente já tinha se perdido nas asas do vento
As sombras desencontradas no Tempo sem tento
Na Dança incessante, nos rodopios da Vida
Que dita sem trégua o Poente, a Partida


E veja
Assim mesmo quis o travesso Destino
Desfazer o nó de entranhado desatino
Tecer com a seda a sede da pele
A Memória esquecida que hoje nos impele


Em tua boca larguei meu melhor sorriso
Deixando marcado com selo preciso
A surpresa saudade que cedo não havia
E a descoberta tardia do que mais se queria


Uniram-se olhos, os salmos das palmas
Murmurando silêncios que de tão desconexos
Mostraram a química que mais que complexa
Nos libera do medo, do risco, do entrave
Costurando as almas em suave alinhave


Mira
O sol nasce agora pelo vão da janela
Emoldurando nossa poesia que já se revela
O Erro, o Acerto, a fiel Tentativa
De reviver a História ainda não escrita:
A prece sem pressa da Nossa Promessa

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Ferro e Fogo



O sangue que me corre às veias, não é sangue
O ar que me invade como lança, não é ar
A água que bebo, o som que ouço, a cor que vejo
Não são água, som ou cor

Corre-me pelas veias lava, incadescente
Como que num vulcão esperando
O ponto exato da ebulição
O jorro certeiro do ferro em fogo

Este ar é chama, é labareda
Que, sem intervalo sequer a sustentar,
Me corrompe pulmões e alma
Enegrecendo, com pressa, sem calma
Até o suspiro das cinzas que expiro

A água é aço líquido e turvo
E endurece todo o livre espírito
Que antes pairava, flutuante
Sonhador das simples coisas do amar

Cor, arco iris, flor, paisagem
São palavras, letras, símbolos.
Hoje, a ausência de cor torna-me negra
Sêca de toda paleta vibrante que antes
Vivia por respirar

E não há salvo-conduto nesse trecho de vida
Pois perco-me sem passagem, sem caminhos
Sem destino, sem carinho
Sem luar, sem violão...

Como miragem, atinjo seus olhos
E busco com os meus um alívio às dores
Que ainda carrego sobre os ombros pesados.
E eles desviam, solenes, descrentes
Como a murmurar caprichos indecifráveis.

Percebo o muro que se fecha em ferro e fogo
Lacrando o que não se começa
O que não se apressa
O que sequer existiu:
A Promessa da Vida que não se cumpriu.

Volto ao luto por minha lucidez
Para que se corra sangue, ar, água, som e cor.
No dourado escrínio de minhas lembranças.

Sabedora que sou de minha força e grito

Vejo reerguer-me vagarosamente
Silenciosa e tristemente
Novamente em busca de mim.

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Poeme-se



Poeme-se com ricas rimas
Com metáforas subjacentes
Com desígnios contundentes
E suas lisuras incongruentes

Poeme-se
Com a eloquicidade que desafia
Com o soltar da voz, com a pena que desfia
Tirando do peito o peso, o medo
Que na palavra consegue esquecer

Poeme-se sem qualidade
Escreva em fluxo solto
Escreva como num arroubo
Como um trem descarrilhado
Um palhaço descabelado
Uma foto desfocada
Ou pintura destemperada

O escrever liberta a alma
Expira o anseio do que não veio
Rouba o desassossego tirano
Desfaz o mito, o rito, o desengano:
É o contra ponto do mundano

Larga as rimas, as métricas
Todas as fúteis dialéticas
Esquece o verso perfeito
Liberte as duras garras do tempo
Solta letras contra o Vento
Expele teu sangue pelos dedos
Escrevendo com carne e cerne
Arde o papel, se busque e governe:

Poeme-se

domingo, 29 de junho de 2014

Transformação



Eu só sei que dói.

Que algo se perdeu
Que a corda sozinha roeu
E a solidão chama-se Eu.

Dói.
Só sei que algo em mim quebrou
O vidro que guardei se lascou
Que o coração sentiu tanto
Que achou que nunca mais
Se encantaria de novo
Com fúria, calmaria, amor e luxúria
E a paixão diluída na paz.

Eu só sei que dói.

Entender que amar a si
Primeiro que a qualquer um
Custa-nos mais, é mais pesaroso
Pois o fruto ao lado é mais gostoso
Sem nossos tantos erros , conflitos
Destrutivos, sombrios, aflitivos
Enquanto o Outro é só risos.

E doeu mais.
Descobrir que o Outro é igual.
E sem os floreados e mentiras
Este Alguém é tão insano
Que esbraveja, pune, sodomiza
Ao enganar não economiza
E talvez sofra tanto ou mais
Por ser assim:
sem no coração ter a paz

Desiludi,  me perdi
Larguei de mim, desesperei
Foram tantas as lágrimas soltas
Tantos rios sulcados na face
Que pensei que nunca mais
Houvesse alguém que tanto amasse.
Porque amei mais que a mim
Vivi e chorei por alguém
Sobrepujei meu eu, meu ideal

Por quem não sabia ser diferente:
Este era seu normal.

Um dia, uma noite, um instante
Não mais doeu deste jeito.
Com todos os defeitos, trejeitos
Com todas a paixão de mil cores
Abriu-se como céu minha alma
Uma força estranha e calma
Sem  o peso da do desrespeito
Sem o grito que tanto magoava.

Nada foi em vão, nada foi esquecido
O aprendizado ensina
A ser dócil, compadecido pela dor
E entender que não somos metades
Somos partes únicas, perfeitas
Num mundo louco e lúdico que só nós
Podemos transformar pela força do amor

Hoje canto como num côro
Com voz firme, passional
Uma música  altiva e vibrante
Um pouco imperfeita, bem sei
(esta paixão tão distante...)
Com toda a Força que tenho direito
com todo orgulho de ser eu
De dizer abertamente, sem medo punjante:
 “Amo-te de novo, mais que antes”
.

sábado, 24 de maio de 2014

Cinco Minutos



Tenho medo de voltar
A amar do mesmo jeito
Nem melhor , nem pior
Porque o nosso era perfeito

Quando as dúvidas me calam
Minha língua se trava
As palavras são engolidas
Por esse dragão de lava
Que ainda mora cá dentro
Deste peito em desgoverno

O que não houve
O que não soube
O que não mais é
A falta de fé
No que não mais existe
Me consome.

E porque temo ainda amar
Duvidei de mim
E esqueci de nós
Tentando apagar com raiva
Todos os momentos a sós.
Mas a força foi grande, gigante
E meus pés, tão vacilantes
Que tua figura povoa
Meus sonhos, meus medos, meus ganhos.

Ainda dói, ainda sangra
Ainda lembro, do riso, da lágrima...
E como entender o que não mais há?
Como pedir ao coração que não sinta?
Como pedir que a alma não minta?
Quando todos os caminhos
Por mais distantes que estejam
Ainda me levam
Somente a você?

domingo, 13 de abril de 2014

Palhaço


Arma teu Circo de Vitórias
Tua Tenda em negra luz
Venda ingressos, lota os assentos
De quem por teu sorriso seduz

Venha e assiste com gosto e prazer
A este espetáculo inglório, simplório
Que mostra a história, nosso número sem moral
Entretenha-se com tua ambição sem igual

Pois sou teu palhaço
Neste Circo da Vida
Pintada de branco, eterna mascarada
Aquela que ri, com bocas e mágoas
E quebra o  coração e a  alma já sem cores
Ao se vender a quem antes já me olhou
Treinando promessas, de risos e flores

Não larga de tua lógica
Do egoísmo, da posse brutal
Pois sou teu palhaço
É este ainda meu único laço
É  esta ainda a fantasia que me recuso
A despir.

Os olhos negros borrados de lagrimas
A boca vermelha, molhada de sal
Sorri vagamente
Na certeza da submissão
Da entrega dolorosa de tudo que fui
Em tuas mãos.
E sequer sobra espaço em mim
Para entender a  humilhação
O desinteresse, a desilusão
A Sodomia ou prisão:
Sou só teu palhaço.

De uma certa distância, talvez ate eu risse
De uma certa distância, talvez fosse engraçado
Mas cá do palco, perdi meu timing, minha vergonha.
Aqui é meu calabouço, meu céu, meu inferno
Pois entretenho a mais crítica e variada plateia
Contudo, cá dentro, dentro o desespero tomou conta
E esqueci a piada
Que tanto ensaiei.

Ainda estou aqui
Como se nua estivesse
Despida de orgulhos
Repleta de súplica
Doente de amor
Como um palhaço que só finge
Que não sente dor.



sábado, 1 de março de 2014

Entrelinhas





Entre linhas, entre palavras, entre sonhos que desfazem
Está a delicadeza, de cada ponto, cada nó

Não é saber desígnios metafóricos, 

nem não ditos, nem mal falados
Não são informações pendentes
De uma língua decadente, pletórica, insuficiente.

Tambem não é o não-dizer, o não-falar, o esconder
O jogo de rato e gato, que se revela ao morrer
É simples sugestão, muitas vezes prosaica, simples
Mas que revela enfim o espaço

que entre elas havia.
(entre elas, as tais linhas,
essas finas parasitas
moradoras da folha em branco
do poeta já cansado
de tanto entreter o amado) 

Escava-se o poema, a gravura, o cinema
Cavuca-se o livro tosco, a cantora a enganar
Fuxica-se cada fímbria da arte do ser
Procurando uma função
Para desde o riso da Mona
o Papa sem religião
o Dante, inferno ou céu
a proclamar solidão 
até achar um sentido, algum valor escondido
para se entender que as vezes
as entrelinhas são só
uma forma de expurgar
o que nos há de pior:
Sem ferir ou machucar
Sem doer, ou enganar.

Um famoso nosso ‘jeitinho’
Daqueles bem com carinho
que diga: Deixa pra lá,
essa quadra é somente minha
a para quem o encaixar.

Deixemos na contramão
de quem procura o óbvio ou o claro...
Deixe-os com seu fino faro
A tentar sem conseguir.

Enquanto isso fico aqui
com linhas, agulhas, dedais
a proclamar entrelinhas
que com fogo e fel construí.

Sabedora de meu destino
Que é o voltar-me á concha
Inquilina, Clandestina
da minha alma que esconde
as silenciosas gotas salgadas
Que, não sei, brotam dos cantos

Do que se chamam de olhos:
Espelhos de fraco alicerce
Que a entrelinha tece.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Entrega



Ata-me
Com nós firmes da Palavra tua
Deixando-me exposta, de alma nua
Em mortos desejos, furtivos segredos

Amordaça-me
E que o grito na garganta preso
Seja tua carícia, teu maior enlêvo
E assim me conquista a cada encontro, cada degredo

Cria-me
Como vossa coisa e propriedade sagrada
Para que cada fímbria de minha carne
Cada gota de sangue aflorada
Seja entregue de vontade crua e explanada

Que teu toque seja minha herança
Teu prazer, minha única bonança
Tua ordem, meu Paraíso
Meu Dono e Senhor: tudo que mais preciso

Julga-me
Condena-me
Castiga-me
Como juiz e algoz de mim:
Vítima cativa de tua luxúria
Sois meu Princípio, meu Além, meu Fim.

O Jogo




Degladiam-se os dois Lados, ponto sagrado
Forças sobrepujantes à qualquer razão
Réus à mercê da fome, sem pejo
Reféns do desejo, sem culpa ou padrão

Olhares se cruzam, se medem e comparam
Respiram silenciosos, tal faca cortante
Sente-se no ar o gosto do medo e do gozo
E o roçar na pele frágil, cativa, errante

Inerte, um lado tende a pender
Sente a Palavra, o Peso a perdurar
Ainda tenta, vã loucura, rebelde cria
Mas sem o Dono nada mais a fulgurar

Segura o pulso, estala a carne
Entregue à chama da vela pulsante
Alucinados desenhos formam-se com a cera
Adocicados pela promessa da dor lancinante

Baixa os olhos, enverga o dorso. dói a carne
O lado cede, por prazer e única vontade
O Dono é fogo, centelha e aço:
Obedecer é amargo, por isso o faço.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Domínio




Do encontro fortuito à espera do prazer
Respiro ante a promessa de teu toque
Contemplo o tempo, e se Ele se demora
Não consolo meu corpo: aguardo crepúsculo ou  aurora


Curvo-me perante a firmeza da ordem
Diante de tua sombra, perco-me silente
E latejante, pulsante em dor atroz
Contenho meu desejo dobrando-me à tua voz 


Subjugada em tuas mãos 
Teu negro olhar é o que me sustenta
O vicio da posse é tanto que vejo-me cativa,
de corpo e espírito: nada mais me atrai ou tenta

Os mistérios desvendam os sentidos
Descobrindo nas torturas prazeres infinitos
Subserviente, acorrentada, despojada
És Tu quem maltrata, destroça e ensina
Saciando sua fome em minha pele rasgada

Construíste-me silenciosamente
Adorando-te, pensante, em nó que não desfaço
Sempre sedenta, sempre disposta, sempre à mostra
Angario qualquer suspiro, qualquer castigo, qualquer abraço

Rouba e devolve minha paz
Com facilidade de quem é Senhor e Dono

Somente na lágrima me descubro viva
E sob seus pés recruto meu abandono.

Acorrentados por sua Palavra
Meu juízo, meu sentido, minha razão, minha vida
Já não mais existem, são estranhas estas matizes
E assim, escrava tua, de mansidão doce e aflita 

Entrego a Ti minha carne e minhas cicatrizes.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Poema Inacabado




um poema inacabado
é como se fosse um banquinho
de três pernas, sem assento
ou sem asas um passarinho

é a canção sem a letra
o jardim sem uma rosa
a história sem princesa
ou o café sem a prosa

é o cetro sem coroa
a casa sem o telhado
o navio sem a proa
ou convés adicionado

num poema inacabado
(daqueles de pé quebrado)
transparece a humanidade
do poeta-deus da frase:
ele cai do pedestal sem graça
e corre pro meio da praça
jurando "é só uma fase"

domingo, 17 de junho de 2012

Reencontro II





Olha
A gente já tinha se perdido nas asas do vento
As sombras desencontradas no Tempo sem tento
Na Dança incessante, nos rodopios da Vida
Que dita sem trégua o Poente, a Partida


E veja
Assim mesmo quis o travesso Destino
Desfazer o nó de entranhado desatino
Tecer com a seda a sede da pele
A Memória esquecida que hoje nos impele


Em tua boca larguei meu melhor sorriso
Deixando marcado com selo preciso
A surpresa saudade que cedo não havia
E a descoberta tardia do que mais se queria


Uniram-se olhos, os salmos das palmas
Murmurando silêncios que de tão desconexos
Mostraram a química que mais que complexa
Nos libera do medo, do risco, do entrave
Costurando as almas em suave alinhave


Mira
O sol nasce agora pelo vão da janela
Emoldurando nossa poesia que já se revela
O Erro, o Acerto, a fiel Tentativa
De reviver a História ainda não escrita:
A prece sem pressa da Nossa Promessa